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NA MINHA PRIMEIRA MORTE EU NÃO MORRI


Um dia , na minha anterior forma humana , decidi matar -me. Queria morrer comple tamente. Tinha esperança de que a vida eterna, o paraíso e o inferno, Deus e o Diabo, a reencarnação, tudo isso , fossem apenas superstições urdidas
demoradamente, ao longo de séculos e séculos , pelo vasto terror dos homens .

Comprei um revólver numa armaria, apenas a dois passos da minha casa , mas onde nunca tinha entrado antes , e cujo proprietário não me conhecia. Depois comprei um livro policial e uma garrafa de genebra. Fui para um hotel na praia, bebi a genebra com desgosto, em largos gole s (o álcool sempre me repugnou ) , e estendi-me na cama a ler o livro . Achava que a genebra, somada ao tédi  de um enredo ingénuo, me daria a coragem necessária para encostar o revólver à nuca e apertar o gatilho. O livro, porém, não era mau e eu li- o a té ao f im. Quando cheguei à última página começou a chover.

Retirado de O vendedor de passados - José Eduardo Agualusa




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