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Livro ilustrando a igreja da pampulha |
Aos 114 anos, completados na segunda-feira, Belo Horizonte já tem consciência e uma produção de consistência da história da cidade.
“O problema é a atual administração municipal, que está desmontando a
cidade”, aponta o historiador Leonardo José Magalhães Gomes, de 59
anos. Ex-diretor do Museu Histórico Abílio Barreto (MHAB), ao conversar
com um dos prefeitos da capital, acabou despertando para a necessidade
de publicação de
Memória de ruas – Dicionário toponímico de Belo Horizonte, de 1992, que já está na segunda edição.
Hoje à noite, na Quixote Livraria, Leonardo lança
Belo Horizonte: A cidade descrita (Documentos de uma história urbana) e
A música da cidade – Cartografia musical de Belo Horizonte,
que encerram a trilogia historiográfica da cidade. “Na verdade, não
havia pensado em uma trilogia”, revela o autor dos livros, lembrando
que os dois últimos foram feitos sob encomenda para o
Anuário de Belo Horizonte.
Inspirada nos livros, que abordam a produção literária e musical da cidade, o
Estado de Minas
pediu a escritores, cantores e compositores que indicassem as obras
que melhor traduzem o espírito belo-horizontino, capazes de nos fazer
entender a cidade. Afinal, quais seriam os livros fundamentais para a
história de Belo Horizonte? E, entre as canções, quais delas entrariam
na provável trilha sonora da cidade?
Para Leonardo José
Magalhães Gomes, literariamente, Belo Horizonte já produziu o que há de
melhor em língua portuguesa, diante da obra de Pedro Nava, Carlos
Drummond de Andrade e Guimarães Rosa. “Não podemos esquecer que Rosa
morou na cidade, estudou no Colégio Arnaldo e se formou em medicina
pela UFMG. A formação intelectual do escritor foi toda aqui em Belo
Horizonte”, orgulha-se o historiador.
Musicalmente, Leonardo
resolveu privilegiar o Clube da Esquina e Milton Nascimento. “Trata-se
de um gênio como Pixinguinha e Tom Jobim, que costuma ser pouco
apreciado na cidade. O pessoal do Clube é sempre vítima de uma olhar de
desdém da cidade”, diz Leonardo José Magalhães Gomes, para quem, no
livro
A música da cidade, defende a tese de que a produção
musical de Milton Nascimento e a turma do Clube da Esquina está para
Belo Horizonte assim como o tango está para Buenos Aires e a valsa para
Viena.
Cantores e compositores ouvidos pela reportagem foram
além do período, conforme a defesa de cada um. Para Dudu Nicácio, por
exemplo, a música homônima ao movimento “foi o marco histórico que
cantou para todo mundo a nossa cidade, cultura e jeito”. Mas ele vai
além, e aponta o Skank e Vander Lee como responsáveis por novas páginas
musicais da capital. “Com muito suingue e malemolência,
Garota nacional, de Samuel Rosa e Chico Amaral, mostrou ao Brasil
que um simples bar e uma bela garota facilmente podem se tornar uma
paixão. Não é a toa que essa rapaziada fez tanto sucesso”, afirma Dudu.
Para ele, “nenhuma rivalidade entre torcidas também foi tão bem
retratada, musicalmente, como em Galo e Cruzeiro, de Vander Lee. “Mais do que nunca, é a cara de Belo Horizonte, apaixonada por futebol e samba. Um gol de placa do Vandeco”.
Já
Márcio Borges, um dos principais letristas do Clube da Esquina,
atribui aos versos de Rômulo Paes, “a minha vida é esta: subir Bahia,
descer Floresta”, um dos mais inspirados momentos da capital. “Descreve
que a ‘nossa’ vida é essa, e acho que, pelas proporções do vertiginoso
crescimento da cidade, esse espírito boêmio da Rua da Bahia se
alastrou para além da Floresta e chegou em Santa Tereza”. E completa:
“Lá, o ícone do bairro é o tal Clube da Esquina, e esta música minha,
de Lô Borges e Milton Nascimento retrata um momento muito importante da
vida da cidade e até mesmo se confunde com ela”. A terceira música
para Márcio – mas não a última, pois não estou enumerando – só pode ser
a
Garota nacional, do Skank. “Foi ela que tornou a projetar a música produzida em BH para muito além de nossas fronteiras”, justifica.
Já o rapper Flávio Renegado anuncia que vai liberar para download, a partir de hoje, em seu site (
www.flaviorenegado.com.br), a até então inédita Até o dia clarear, que ele fez em homenagem a Belo Horizonte e, segundo diz, a suas “belas mulheres”.
Literatura A
professor Heloísa Starling aponta três autores que, em sua opinião,
produziram narrativas exemplares sobre Belo Horizonte. O primeiro,
Eduardo Frieiro, “que foi um cronista impecável”. “Seus livros, sempre
devidamente ambientados em Belo Horizonte, fizeram dele um dos grandes
cronistas da cidade. É o caso de conferir em
O cabo das tormentas.
Esse livro é inteiramente ambientado no Edifício Cine Brasil, cujo
prédio modernista é apresentado ao leitor como a quilha de um grande e
melancólico transatlântico, fervilhando de uma gente anônima,
irremediavelmente encalhada na esquina principal da Avenida Afonso
Pena, no centro comercial da cidade”.
A seguir, Heloisa aponta Cyro dos Anjos (
O amanuense Belmiro), que ela escolheu junto do também professor Wander Melo Miranda, concluindo com Marcus Freitas (
Peixe morto),
autor, em sua opinião, de “um thriller emocionante, ambientado na Belo
Horizonte contemporânea”. O poeta Ricardo Aleixo, por sua vez, vai de
Rodrigo Ferreira e Beatriz de Almeida Magalhães, autores de
Belo Horizonte – Um espaço para a República,
sob o argumento de tratar-se de “obra única para quem busca entender,
em minúcias, a lógica positivista que preside a construção da capital
mineira”.
Além de Sérgio Fantini, autor de
Diz xis, e Humberto Werneck, autor do já clássico
O desatino da rapaziada. “Fiquei tentado a indicar qualquer um dos livros de Wander Piroli, ou o
Encontro marcado,
de Fernando Sabino, ou, ainda, a memorialística de Pedro Nava, mas
entendo que essa deliciosa obra, fruto de intensa pesquisa, já
representa, por si só, um convite ao leitor que se disponha a conhecer
os autores e livros que citei. O livro, muito bem escrito, sem
pedantismo, dá a ver a formação da vida literária na província – um modo
de ver e pensar o mundo que ainda hoje persiste”, conclui.
Fonte:
Ailton Magioli - EM Cultura